Greve na UFG

Quarta-feira passada, dia 06 de junho, uma assembléia dos professores filiados a Adufg-Sindicato foi marcada para discutir e votar o indicativo de greve – como vocês sabem há uma greve das universidades federais acontecendo no Brasil todo. A assembléia terminou em confusão, aliás nem começou para falar a verdade. Os argumentos a favor e contra a não foram debatidos, mas sobrou acusações de ambos os lados. A Adufg soltou uma nota sobre o incidente e um “plebiscito eletrônico” foi marcado para o dia 13. Nele os professores filiados poderão votar a favor ou contra a greve. Ano passado a Adufg desfiliou-se da ANDES e filiou-se ao PROIFES. Segundo nota da Adufg, as negociações com o governo federal serão retomadas na quarta-feira terça-feira, dia 12, com boas possibilidades de que a equiparação funcional com os pesquisadores do MCT seja adotada pelo MEC e, daí, negociada com o Ministério do Planejamento. A ANDES não faz parte dessa mesa de negociação e por isso aprovou a greve geral ainda em maio. O PROIFES se considera ainda em negociação com o MEC e, por isso, a princípio, é contra a greve. Por outro lado as universidade têm autonomia para decidir, por si mesmas, se aderem ou não. O Jornal Opção desta semana vem com uma matéria na qual a versão da Adufg é fortemente contestada.

Bom, para quê serve uma greve? Para pressionar o governo ou o patrão a negociar. A suspensão dos serviços prestados pelos professores à sociedade deveria forçar o governo federal a tornar sua posição na mesa de negociação mais flexível, em favor dos professores. No caso a universidade para e…..a vida continua mais ou menos como sempre foi fora dela. Eis o trágico em qualquer greve no ensino superior: a universidade não faz falta para o dia a dia das pessoas; a não ser que o HC pare ou os alunos percam o ano ou o vestibular seja suspenso, coisas que a Justiça não vai permitir. Basta acionar.

Você pode até ficar com a impressão de que eu não gosto de greve, que acho coisa de desocupado. Não é bem assim. Eu só acho que não funciona; pelo menos não no caso dos professores. Uma greve de motoristas de ônibus tem mais efeito do que a dos professores doutores, pela própria natureza do instrumento. Além disso, a greve avacalha com o calendário (avaliações, notas e defesas de TCC), destrói a progressão natural das disciplinas e prejudica o aprendizado dos alunos. É um negócio ruim do ponto de vista do cotidiano acadêmico.

Eu sei que muita gente encontra seu lugar no mundo dentro do contexto belicoso da greve. Enfrentar um ente como o governo – embora, paradoxalmente, dependa-se dele para sobreviver – em nome da valores que ninguém colocaria sob suspeita (melhor remuneração, educação gratuita e de qualidade para todos) sempre dá uma guaribada na nossa mitologia pessoal, não é mesmo? Essa ideia de enfrentamento justo nos acolhe. Mas devemos pensar friamente o que queremos com essa greve.

Os alunos, por exemplo, já aderiram – pelo menos a crer em alguns e-mails que andei recebendo – preocupados que estão em garantir que, no futuro, tenham concorrentes mais bem preparados do que eles para enfrentá-los no mercado de trabalho. Reuniram-se, todos os 400, e aprovaram o indicativo de greve para os professores. Assim, acho que não terei alunos me esperando esta semana na sala de aula. É uma pena.

Enfim, até que meu sindicato se posicione sobre a greve estarei em sala de aula. Nenhum professor, pelo simples fato de ser professor, pode decidir por mim se eu devo ou não trabalhar e me impedir de fazê-lo. E, se greve houver, torço para que seja breve.

6 comentários em “Greve na UFG

  1. Caríssimo,

    O argumento que sustenta que a greve não funciona é falacioso. O fato de uma greve não afetar a maioria da população ou uma parte considerável dela não prova que a greve não funciona. A greve do judiciário, por exemplo, não afeta a população que não tem processo na justiça ou não está envolvida diretamente com questões jurídicas, mas afeta, e muito, a vida das pessoas que têm pendências judiciais. Um suspeito que depende de um habeas corpus para deixar a cadeia é afetado por uma greve do judiciário.
    Analogamente, os estudantes, os futuros profissionais e futuros pesquisadores são afetados pela greve. As atividades de extensão e pesquisa cujos resultados ultrapassam os muros da universidade são afetados pela greve. A relação da sociedade com a universidade é afetada pela greve. A qualidade de uma formação é afetada pela greve. Portanto, se o governo tem sensibilidade para tais questões, ele deve ver a paralização como algo muito sério. Se as atividades de ensino público superior tem alguma importância, e os agentes que estão envolvidos com a vida universitária têm algum valor, então realizar uma greve no ensino superior pode funcionar e, na maioria das vezes, funciona, pois, caso contrário, o governo não negociaria com os sindicatos que representam os grevistas.
    Em relação ao “seu” sindicato, no atual estado de coisas, ele parece não ter força política e, por isso, se ampara no legalismo para poder manter-se. Na verdade, considerando a fala da presidente do sindicato, no dia assembleia, a despolitização da ADUFG é um mau que só terá cura quando as pessoas começarem a refletir sobre o que é um sindicato. E uma coisa é certa: um sindicato não é um prestador de serviço nem um clube social, para o qual pagamos uma mensalidade para desfrutarmos de algum benefício. Ele é um representante político e legal dos trabalhadores, mesmo dos que não são sindicalizados. E isto, ADUFG esqueceu, pois trata o direito de greve como um direito de seus associados e não como um direito social dos professores (conforme determina o artigo 9º da Constituição).

    1. Obrigado pelo comentário, Silvio. Eu concordo com você que a Adufg não representa todos os professores e não pode tratar o direito de greve como um direito apenas de seus associados. Por outro lado, eu não conheço nenhum outro espaço, dentro do meu círculo profissional, no qual exercer minha atividade política senão no meu sindicato (privadamente eu posso muito bem entrar para um partido ou uma ONG). Se houver um fórum dos professores da UFG que seja mais abrangente e com igual ou maior legitimidade do que a Adufg eu, sem nenhum problema, me disponho a discutir os motivos e os efeitos da greve e me submeto a suas decisões. Até então, como filiado que sou, delibero sobre estes assuntos dentro do meu sindicato.

      Há uma diferença essencial entre os termos da sua analogia – que, enquanto forma lógica, pode ser apenas explicativa e nunca conclusiva: a greve da justiça priva o cidadão comum de um direito fundamental. Qualquer cidadão fica impedido de ter acesso à justiça, caso tenha necessidade, porque ela simplesmente não está disponível e, para isso, não há reposição. Assim, seu impacto é praticamente universal. Por outro lado, quando uma universidade para absolutamente nada muda, exceto para a minoria afetada pela extensão. É a comunidade acadêmica – professores, alunos e funcionários – quem mais sofre com as greves e não a sociedade; em parte porque os serviços que prestamos à sociedade quase nunca são essenciais. E nosso modelo acadêmico nos encastelou e isolou, ao longo dos anos. Historicamente não me lembro de nenhuma greve na qual os alunos perderam o ano letivo, deixaram de formar ou não tiveram suas aulas repostas, de um jeito ou de outro (e já passei por algumas na UFG, como aluno e como professor), independente do resultado. Veja bem, se o governo não ceder tenho absoluta certeza de que os professores NÃO vão deixar os alunos perderem o semestre. Ademais, o fato da greve envolver o mês de recesso – julho – já é indicativo bastante de que os professores não irão às últimas consequências; como nunca foram. Se não houver alternativa – se não formos capazes, enquanto categoria, de imaginar outro expediente de pressão que não seja a greve – entrarei em greve, com ceticismo e torcendo para que acabe logo.

      Por fim, se você faz parte de alguma pós-graduação sabe que o calendário das defesas não para por causa da greve, nem o calendário da CAPES/CNPq. Efetivamente, já te adianto, a pós-graduação da Facomb continuará a funcionar mesmo se a greve acontecer. Os alunos bolsistas, por exemplo, precisam cumprir prazos e entregar resultados.

      Acima de tudo não estou disposto a me deixar sequestrar pelo confronto entre ANDES e PROIFES hoje travado na UFG. Nem me comover pelo bate-boca absurdo da última assembléia da Adufg, na qual pessoas inteligentes acabaram protagonizando um embate de hordas. Isto é, para mim, o mais importante: não sucumbir ao modelo de pensamento no qual a adesão ou não a uma greve – ou a um sindicato – possa ser visto como um distintivo moral.

      1. Daniel Christino,

        Obrigado pela resposta. O meu comentário sobre o que você disse é o seguinte:

        1) O fato de você não conhecer outro espaço em que possa exercer atividade política relativa ao seu círculo profissional não implica que não exista outros espaços. Na UFG, por exemplo, existe um fórum de professores que discute carreira e outras questões pertinentes à política universitária. E tal fórum não está comprometido com a ADUFG ou com partidos. O blog desse fórum é o seguinte:

        http://professoresufgnaluta.blogspot.com.br/.

        2) Em relação à questão da legitimidade, eu questionaria o que se quer dizer com esta palavra, pois temos um sentido estrito e lato do termo “legitimidade”. Em sentido estrito, significaria ser amparado por lei e, por conseguinte, seria sinônimo de legal. Em sentido lato, significaria simplesmente amparado pelo debate e reflexão de atores de um grupo social que coletivamente se organiza visando algum tipo de bem. Neste último sentido, a legitimidade não é necessariamente legal, mas política. Creio que a legalidade cumpre a função de, por exemplo, amparar e garantir algum tipo de defesa ou direito em relação a eventuais problemas, mas não substitui nem é maior do que a legitimidade política.

        3) Bem, ainda me parece frágil que o critério de funcionamento de uma greve deva ser medido pelo impacto à população em geral. Se considerarmos a sua idéia de que uma greve funciona se o impacto implica o impedimento de algo que seja imprescindível ou fundamental, então mesmo uma greve da saúde ou do transporte público não funcionaria muito bem, pois os agentes grevistas, na medida em que pretendem que a greve seja legal, não podem parar totalmente, mas devem garantir que os serviços essenciais sejam mantidos.
        Este fato nos permite dizer que uma greve não deve ser entendida como uma paralisação total das atividades, nem deve ser compreendida como se tivesse como fundamento causar prejuízos irreparáveis. Na verdade, penso, o fundamento da greve não é a paralização das atividades, mas a mobilização dos atores, que a paralisação de alguma forma determina ou libera. Desvinculado de sua atividade profissional, o trabalhador pode parar e pensar sobre seus direitos, sobre o seu trabalho e sobre a relação entre ambos e, desde então, mobilizar-se em manifestações contra o empregador ou empreender com ele negociações.
        Por outro lado, recentemente, no questionamento da legalidade da greve dos professores do Estado de Goiás, que durava um pouco mais de um mês, um juiz usou o argumento de que se o acesso à educação é um direito fundamental, então os professores deveriam decretar o fim da greve, pois estavam impedindo o acesso a um direito fundamental. Ora, considerando o fato de que os estudantes do ensino básico podem muito bem adquirir conhecimento e educação em casa ou pela internet, poderíamos supor, seguindo o seu critério, que a greve da educação não deveria funcionar. Mas, se este é o caso, então porque o secretário de Educação fez tanto esforço para acabar com a greve, chegando mesmo a cortar, de forma arbitrária, o ponto dos professores, deixando muitos sem o salário do mês? Creio que alguém deveria avisar para o secretário que, atualmente, a escola não tem o monopólio da educação e que, portanto, os estudantes podem se educar de forma auto-didata.
        Creio que o cerne da questão está ai. A educação é um direito fundamental. Uma greve de professores impede o acesso à educação formal institucionalizada, mas não impede de forma absoluta o acesso ao conhecimento que existe fora da escola. Na verdade, considerando as atuais circunstâncias, parece que a maioria dos jovens tem adquirido mais conhecimento em outros espaços do que no espaço escolar. Contudo, a paralisação das instituições formais de educação são vistas como um mal… Por quê? Poderíamos arriscar uma resposta, dizendo que as estatísticas em torno da educação são moedas de troca em tempos de eleição e para conseguir empréstimos internacionais. O fracasso de uma política de educação, que uma greve, muitas vezes, denuncia é possíve de ser usada no jogo político. Mas poderíamos também partir para justificação mais bonita: a educação superior, forma profissionais e pesquisadores, que irão contribuir para o crescimento econômico. Além disso, o conhecimento, a educação superior, tem um valor intrínseco. E a greve na educação superior, em razão disso, é sempre preocupante, mas apenas no mundo dos valores. Poderíamos também dizer que se os prejudicados são os próprios atores do ambiente universitário, a preocupação do governo é semelhante à preocupação de alguém que tenta impedir um suicida de cortar os pulsos.

        Mas, por fim, não posso negar que agora tenho a seguinte dúvida: como uma greve na educação superior funciona, isto é, desperta reação do governo?

  2. Caro professor,

    Gostaria de contestar alguns pontos em seu texto e levantar alguns questionamentos. Antes de mais nada, o principal deles, sobre a ineficiência de uma greve de setores do ensino superior. Alguns desses pontos expliquei em um texto didático para os discentes ( http://psicoufg.wordpress.com/2012/06/08/pra-que-greve/ ) e vou tentar resumir aqui. Historicamente, todos os grandes avanços em questões de reivindicação para o Ensino foram conquistadas através de greve. Também, o maior prejuízo não é para o público em geral, e algumas vezes nem é o maior de todos para os estudantes, pois contam também com a boa vontade de docentes e técnicos para tentar recompor seus calendários. O maior prejuízo é o político para as forças governamentais que entravam negociações, acreditando poder protelar propostas ou segurar movimentos de forma indeterminada, sem endereçar os principais problemas. Esse prejuízo político surge quando uma administração segura vários meses de greve, gerando uma conta aos cofres partidários que a maioria dos grevistas sequer tem noção.

    Também gostaria de desmentir o fato do ANDES não estar nas mesas de negociação, e de que greves não funcionam, com uma pequena nota da Folha de São Paulo, uma publicação de maior circulação e que talvez o professor legitime mais do que um jornal de circulação local:

    http://www1.folha.uol.com.br/saber/1103835-governo-pede-tregua-de-20-dias-para-docentes-que-reafirmam-greve.shtml

    Acredito que as negociações não acontecem apesar da greve, mas por conta da greve, se levar em consideração a conjuntura de que em 2 anos não houve proposta sólida do governo até essa reunião do dia 12. Acha que seria uma incrível coincidência, isso acontecer logo depois que o GT responsável por analisar as reivindicações praticamente se deu por terminado sem apresentar propostas? Note que existe até uma fala do ANDES e que o mesmo se senta a mesa junto ao PROIFES.

    Precisamos analisar a conjuntura nacional da greve e não ficarmos presos em legalismos e burocracias locais. Mas, se procura uma Assembléia de categoria, de forma orientada e legitimada por uma maioria docente, sem brutalismos ou exaltações, recomendo que compareça amanhã, as 14 horas, na Faculdade de Ciências Sociais, para uma reunião com docentes e o Comando Local de Greve, tirado na controversa Assembléia. Este conta com membro representante da PROIFES, além de membros filiados e até mesmo uma aposentada. Como pode ver, um grupo voluntário, formulado em uma discussão democrática, mas que realmente vem de uma controvérsia legal levantada pela direção da ADUFG (não pelo SINDICATO, pela direção do mesmo). Não entrarei nas polêmicas sobre legalidade e legitimidade e seus meandros, apenas no fato que acredito que, para os que estiveram presentes, foi uma reunião de 400 professores, que deliberaram por quase 2 horas e meia, a respeito dos rumos do ensino e a necessidade de uma greve. Não gostaria de reduzir esses esforços a legalismos, sinceramente. E defendo plenamente seu direito constitucional de não aderir a greve e dar suas aulas, mas também peço abertura intelectual para ler, se informar e depois se decidir pelo seu posicionamento.

    Em tempo, o mesmo quadro de professores de graduação na Faculdade de Educação é o de professores da pós-graduação e ambas estão paradas a partir do começo dessa semana, após reunião de todos alunos e professores na última Segunda-Feira as 8 horas. Então a situação da qual o senhor descreve, não compete com a realidade de todas as unidades. Escolhemos por uma paralisação TOTAL e não apenas da graduação. Com exceção de 2 pesquisas e o laboratório de psicologia, que por conta das cobaias, tem uma agenda muito específica que será julgada por um conselho de ética formulado especialmente para a situação da greve.

    Por favor, professor, antes de se posicionar, procure se informar para os meandros que fogem a sua unidade, sobre a conjuntura nacional e as questões que levam a greve, tanto atuais, quanto históricas. Acho que o senhor poderia reconsiderar sob a luz dos fatos. Em tempo, tenho outros textos para apresentar e estou sempre aberto ao diálogo. Obrigado pela atenção e espaço no seu veículo de publicação.

    1. Obrigado pela participação, Fernando. Você tem razão quanto ao fato de que tanto ANDES quanto PROIFES estão nesta rodada das negociações. O que novamente me leva à pergunta: se estão negociando, porque a greve? O movimento de 2008 mostrou que não é preciso greve para que o governo negocie, há outras formas de pressão.

      Em geral “todas” as greves das quais participei – tanto como aluno quanto como professor – até hoje deflagradas na UFG têm os mesmos pontos de pauta: remuneração, melhores condições de trabalho, maior investimento em educação (querem 10% do PIB) e que ela seja pública e universal. Destas a única que realmente é atendida e tem defasagem periódica é a remuneração. As outras são simplesmente ignoradas. Ou seja, a greve não resolve nem metade das pautas históricas do movimento. Não estou inventando, isso é fato!

      Por outro lado, uma greve com exigências “subjetivas” – mais investimento, melhores condições de trabalho, etc. – não vai a lugar algum porque não há como medir seus ganhos efetivos (mais investimento em quê? Graduação, pós, laboratórios, prédios???). O que me leva a seguinte questão; qual é pauta dos alunos? O seu FAQ não diz. Se for em “solidariedade aos professores” eu só posso dizer que este sentimento poderia se expressar também quando não há greve, o que não acontece. Ademais, se apenas a questão da carreira for resolvida, vocês continuam em greve? As reivindicações não foram todas atendidas.

      A verdade é que em 90% dos casos a pauta dos estudantes não tem nada a ver com o fato de serem estudantes, não envolve em nada seu dia-a-dia acadêmico. É puro ventriloquismo ideológico-partidário. E o fato da UNE ter recebido o tanto de dinheiro que recebeu do Governo Federal e o movimento estudantil da UFG não ter melhorado em nada só reforça meu ponto de vista. Aliás, até os argumentos, derivados de sei lá qual manual de mobilização operária (“invadir centro de poder”???!?!?) são rigorosamente os mesmos de quando eu era aluno, na década de 90 do século passado. O que eu vejo com clareza é que o movimento estudantil não evolui. Não sai do lugar. Não consegue nem recuperar a própria sede nacional. Exempli gratia, quando eu fui representante do meu CA num Congresso da UNE eu vi os estudantes votando contra a “abertura do leste europeu ao capitalismo”. Ontem, na Facomb, eu vi os alunos pedindo para que o Conselho Diretor impedisse os professores dissidentes de dar falta ou reprovar aqueles que entrarem em greve. CQD.

      Vocês têm o direito de entrar em greve, mas a greve de vocês não me obriga a nada. Daqui a 4 ou 5 anos, a maioria dos alunos estará no mercado de trabalho e sua participação política migrará para outra esfera, provavelmente o partido político. O triste é saber que isso não significará amadurecimento, pois sua consciência política, na verdade, desde sempre já pertence a ele.

      1. Gostei muito do seu comentário, pois levantou várias questões enquanto também fez alguns questionamentos com os quais posso discordar.

        Em relação a conjuntura histórica, gostaria de reafirmar que, primeiramente, o número de IFES em adesão é histórico em todos os sentidos. Além disso, a legitimidade e eficiência da greve se constitui não para abrir mesas de negociações, mas para intensificar o debate, tanto internamente dentro das próprias IFES, como externamente no embate com o governo. A abertura de negociações não significa retratação por parte do governo, existe um grande abismo nesse meandro. Também gostaria de afirmar que desde 1981 não se reivindica o reajuste do orçamento da União para a educação e, pelo menos espero, que de lá para cá, as últimas 16 greves tenham ensinado nossos docentes sobre a eficiência de uma pauta bem elaborada a respeito. Mas, me pergunto realmente se isso será levado adiante com eficiência, pois não posso garantir que as pautas que levantamos aqui serão levadas adiante. Também, historicamente, gostaria que me ajudasse a recordar uma greve de âmbito tão amplo dos quadros de técnicos administrativos, professores e com apoio popular por parte significativa dos alunos nacionalmente. Caso tenham outras que tenham sido mal sucedidas, gostaria de ser informado.

        As pautas dos alunos não constam nos textos pois ainda estavam sendo esquematizadas e construídas na redação do mesmo. Inicialmente, a paralisação dos estudantes, pelo menos os primeiros cursos, estava centrada em mobilizar o maior contingente para o debate e para questionar os rumos traçados pelo projeto de lei proposto pelo governo. Encaro esse movimento como produtivo, pois nessa primeira 1 semana, pelo menos entre os cursos com uma carga horário substancialmente pesada como a nossa (quase 6.000 horas de carga horária) foi um breve espaço para levantarmos leitura, discussão e pautas para serem levadas a um contingente maior de organização estudantil. Infelizmente, e acho que o senhor professor pode concordar nisso, a mobilização de grandes números não se dá rapidamente e exige também informação, discussão e reflexão, que não se constroem da noite para o dia. Levando isso em conta, o Comando de Greve Estudantil, que de forma alguma pretente seccionar em relação as pautas docentes, pretende requisitar além das pautas abrangentes já citadas pelo professor, um plano de ação de pautas específicas para emprego dessa verba a qual requisitamos, que vai desde a instalação de Restaurantes Universitários, a uma assistência estudantil de qualidade que implementa passe livre estudantil integral para todos os estudantes, moradias estudantis adequadas nas bases de eficiência estipuladas em nossos projetos, devidas estruturações de transporte entre campi (com sugestões específicas) além de autonomia de sistemas de pesquisa e extensão em relação a iniciativas privadas (maior verba em um projeto de distribuição bem delimitado) investimento em bolsas estudantis específicas relacionadas a pesquisa, entre outras pautas. E tudo isso será apresentado a um comando geral de greve nacional que está sendo articulado com outras entidades estudantis dispares a UNE, a qual podemos observar que atende mais ao âmbito governista do que realmente a reivindicações estudantis.

        Reconhecemos que a grande pauta docente é o plano de carreira, mas acreditamos que podemos mobilizar e entrar em contato para com esse âmbito maior de mobilização docente, discente e administrativa, para unificarmos nossas pautas e aproveitar esse momento de efervescência trabalhista em prol de uma categoria unida de ensino. Pode parecer utópico, mas sob as palavras de um renomado palestrante advogando sobre a luta anti-manicomial uma certa vez: É sobre as cinzas da utopia que se constroem as melhorias concretas para o futuro. Talvez seja melhor imaginar que possamos unir essas categorias e trabalhar em conjunto, do que ficar perdendo nosso tempo redigindo contra a realidade histórica que se coloca a nossa porta.

        A alusão a tomada de poder e grandes conglomerados de centralização, não foram tirados de um \”manual de mobilização operária\”, pois nem mesmo grande simpatizante de tais causas me dispus em tempos. O trecho ao qual o senhor talvez faça alusão, vem como resposta de alguns estudantes dissidentes da greve que reclamam que a greve não teria validade se não tomássemos a Reitoria da universidade. Conceito ao qual me coloquei contra, pelos motivos citados no texto. E as argumentações teóricas que usei, não vem de um manual pronto, ou sequer uma cartilha de esquerda, vem de uma formação militar a qual construí, principalmente pela minha paixão sobre o assunto, lendo livros de Sun Tzu ainda na pré-puberdade – entendo, limitados e infantis – e evoluindo para livros de estratégia mais rebuscados e baseados em conflitos mais atuais, como os de Kossovo e Afeganistão, táticas extensas de guerrilha, que nada tem de relação com revoluções operárias. Sinto despontar, mas depois de extensa leitura, sou advogado a favor de táticas pacíficas de tomadas de poder através de uma quase assimilação de pilares do poder estatutariamente instituídos, e sem a necessidade de se tomar tais espaços físicos, mas nem quero entrar nesses meandros ou sequer entrar numa discussão bibliográfica.

        Em tempo, realmente a greve não lhe obriga a nada, mas também seu ceticismo e o fato de que suas discussões terem parado no tempo político ao qual um dia fez parte, realmente deixam tristes, pois uma pessoa aparentemente tão \”esclarecida\”, como gostam de se referir, se mantém fechadas a certas reflexões e acontecimentos pois imaginar que a história não seria uma construção cotidiana e sim um projeto de reprodução político ideológica, como tentam nos vender – e nesse caso específico conseguiram – ao longo de nossas vidas. Defendo seu direito constitucional de liberdade para ir, vir e trabalhar, mas convido também a acreditar que nem tudo é sempre o mesmo e que nada pode mudar. Sinto muito que suas experiências frente a UNE tenham sido infrutíferas, meio ao qual até me recuso a retornar também, mas acho que péssimas experiências não são motivo para jogar nossas reflexões e nosso futuro na lata do lixo.

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