Ainda sobre o “sacrifício do intelecto”

Se tivesse atentado para este trecho de A ciência como vocação antes, teria sido mais claro com um amigo e o teria feito ver seu erro. É exatamente como diz o trecho abaixo.

Só o discípulo faz legitimamente o “sacrifício do intelecto” em favor do profeta, como só o crente o faz em favor da Igreja. Nunca, porém, se viu nascer uma nova profecia (repito deliberadamente essa metáfora que terá talvez chocado alguns) em razão de certos intelectuais modernos experimentarem a necessidade de mobiliar a alma com objetos antigos e portadores, por assim dizer, de garantia de autenticidade, aos quais acrescentem a religião, que aliás não praticam, simplesmente pelo fato de recordarem que ela faz parte daquelas antiguidades. Dessa maneira, substituem a religião por um sucedâneo com que enfeitam a alma como se enfeita uma capela privada, ornamentando-a com ídolos trazidos de todas as partes do mundo. Ou criam sucedâneos de todas as possíveis formas de experiência, aos quais atribuem a dignidade de santidade mística, para traficá-los no mercado de livros. Ora, tudo isso não passa de uma forma de charlatanismo, de maneira de se iludir a si mesmo.

É isso que acontece quando se quer dar à experiência religiosa um verniz de intelectualidade: falsificação. Ou bem se assume que a labuta intelectual impõe condições para o pensamento, ou corre-se o risco de tornar-se um charlatão intelectual, um mistificador de si mesmo. Como diz o post anterior, quando se usa a cátedra universitária – ou quando se usa a catédra, mesmo não estando ela na universidade – em favor de uma “visão política”, como a da tal guerra cultural, o pensamento se perde de sua vocação. Eu vi isso acontecer com alguns amigos ao ponto da comunicação tornar-se impossível. E sem volta. Uma pena.

2 comentários em “Ainda sobre o “sacrifício do intelecto”

  1. Desculpe a ignorância,estou estudando esta matéria mas as palavras são ainda muito profundas e ainda não entendi se Max Weber apenas explana sobre a ciência,a fé ou se posiciona se uma pode prejudicar a outra,ou mesmo se para seguir o evangelho temos que sacrificar o intelecto,confesso que estou confusa,se puder me ajudar a entender agradeço!

    1. Oi Fátima. Obrigado pela pergunta. Olha, neste texto “Ciência como vocação” Weber não desmerece a religião, pelo contrário. Mas ele discorre sobre a diferença fundamental entre religião e ciência, numa sala de aula: para ser um cientista, você deve amar a verdade mais do que à sua fé (verdade aqui no sentido científico do termo, ou seja, descrição, experimentação, reflexão sobre objetos que podemos encontrar no mundo – nada de transcendência). O cientista não defende seus deuses (sejam eles religiosos ou ideológicos) mas a ética da própria ciência, que pressupõe a descrença e a honestidade intelectual. Neste sentido o cientista é um cético, até mesmo em relação as suas próprias teorias. Ele não “crê”, ele comprova ou abandona sua hipótese. Já o religioso quer uma solução para o mundo dos valores em crise, quer uma perspectiva mais ampla e sacrifica seu ceticismo e até mesmo seu intelecto em nome desta perspectiva (que, para o religioso, é também um tipo de “verdade”). Lembre-se que o contexto em que o Weber proferiu sua palestra é a academia, a universidade.

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